quinta-feira, 2 de junho de 2016

CPI denuncia faculdades e pede indiciamento de 20 pessoas em PE.


Comissão encontrou irregularidades em 17 instituições de ensino no Brasil.
Mais de 20 mil estudantes foram prejudicados somente em Pernambuco.



O que começou com a denuncia de um grupo de estudantes em Pernambuco acabou tomando dimensão nacional. O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Faculdades Irregulares recomendou que o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e o Ministério Público Federal (MPF) tome medidas judiciais e extrajudiciais contra nove instituições de ensino de Pernambuco e recomendou a investigação de outros oito institutos com sede em quatro estados. A CPI encontrou até uma universidade americana atuando ilegalmente no Brasil. Além disso, os deputados pediram o indiciamento de 20 pessoas por vários crimes, como estelionato, associação criminosa e publicidade enganosa.
A comissão encaminhará o documento para o Ministério Público Federal e pedido ao Ministério da Educação (MEC) para a criação de uma agência fiscalizadora de instituições privadas. Criada na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) a CPI entregou o relatório para a assinatura do presidente da casa, deputado Guilherme Uchoa (PDT), nesta quinta-feira (2). Em seguida, ele será encaminhado tanto para o MPPE e para o MPF para que medidas sejam adotadas. 
A CPI solicitou que o MPF acione a Justiça contra 17 intituições. São elas: Faculdade de Desenvolvimento e Integração Regional (Fadire), Fundação de Ensino Superior de Olinda (Funeso), Uninacional, Faculdade Santo Augusto (Faisa), Universidade de Iguaçu (UNIG), Instituto Educacional de Desenvolvimento Cultural e Pesquisa em Desenvolvimento Humano (Ieduc), Instituto de Ensino Superior de Americana (Iesa), Centro de Ensino Pesquisa e Inovação (Cenpi), Instituto Educacional Ruymar Gomes (Ierg), Instituto de Desenvolvimento Educacional Brasileiro (Ideb), Instituto Superior de Educação de Floresta (Isef), Faculdade Ecoar (Faeco), Instituto de Optometria de Pernambuco (IOP), Faculdade de Saúde de Pernambuco (Fasup), Anne Sullivan University, Instituto Belchior e Faculdade Anchieta do Recife.
Além delas, o MPF deverá solicitar o indiciamento das 20 pessoas. O G1 tentou contato com as instituições e com as pessoas citadas no documento. Os representantes da Faculdade Anchieta do Recife, Funeso, Faisa e a Uninacional já se pronunciaram sobre o assunto. As demais ainda não responderam à solicitação ou não atenderam.
“Hoje você tem no MEC a figura da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) que cumpre um papel importante, mas que só fiscaliza aquelas instituições que são autorizadas pelo MEC. Ela não tem autonomia para investigar essas instituições que requereram, mas não alcançaram a liberação do MEC. Isso propicia para que esse tipo de absurdo aconteça”, acredita a deputada Teresa Leitão (PT).

Mais de 20 mil estudantes foram prejudicados em Pernambuco. Ao todo, 151 pessoas prestaram depoimentos. A CPI identificou quatro tipos de irregularidades: faculdades oferecendo cursos superiores sem possuir a permissão do MEC, universidades que utilizam indevidamente instalações físicas da rede pública estadual e municipal, além da comercialização de diplomas e de instituições de ensino que ministram cursos de extensão como se fossem de graduação.
Em um grupo, estão aquelas que não possuem credenciamento junto ao Ministério da Educação (MEC), mas exercem livremente a atividade educacional de ensino superior. Em outro, estão as instituições que possuem autorização do MEC, mas atuam fora da área para a qual tinham permissão, oferecendo cursos de extensão como se fossem graduações aos estudantes. Há ainda aquelas que terceirizam os serviços de ensino, contratando outras faculdades que funcionam como um tipo de franquia.
“São instituições que não tem a autorização [de graduação] para atuar, mas que faziam livremente e prometiam comprar o diploma porque compravam no mercado e entregavam aos alunos. Com trabalhos de conclusão e estágios, eles transformavam os cursos livres em cursos de graduação”, explicou o deputado e presidente da CPI, Rodrigo Novaes (PSD).
As investigações da CPI mostraram que entre os crimes realizados estão propaganda enganosa, sonegação fiscal, falsidade ideológica, estelionato e associação criminosa. “Esses diplomas emitidos pelas instituições de ensino superior precisam de uma chancela de uma universidade e as universidades de Pernambuco não se prestavam a esse papel. Então, eles encaminhavam esses diplomas a uma universidade do Rio de Janeiro e mediante pagamento de R$ 150 por diploma, a Universidade de Iguaçu chancelava. Além disso, há a figura da Uninacional, sediada no Distrito Federal, que fazia essa intermediação da compra e venda de diplomas”, completou o parlamentar.


O esquema ia muito além de enganar os alunos dentro das faculdades. Para atrair os estudantes, os institutos procuravam saber como funcionava o município, assim como quais cursos interessavam mais a população. “Depois disso, colocavam carro de som anunciando o curso, distribuíam panfletos e infiltravam pessoas para capturar alunos. Tudo isso garantindo um preço bem abaixo do pedido no mercado”, contou a deputada Teresa Leitão.
Vítimas
A estudante Camila da Silva, de 37 anos, sempre teve desejo de cursar administração. Três anos depois e um prejuízo de R$ 7 mil, Camila vive uma sensação de tempo perdido. “Estou indignada, nunca suspeitei porque tínhamos aulas normais. Pensei que, finalmente, conseguiria um diploma em administração. Estava quase me formando, minha turma já estava vendo os detalhes da formatura, quando descobri do que faziam pela CPI”, lamenta.

No entanto, ela não desistiu do sonho e já se matriculou em uma universidade em Caruaru, no Agreste. Agora, calejada, afirmou que procurou saber antes de escolher o centro de ensino. “Chega, ninguém me engana mais”. Camila entrou na Justiça, mas ainda não conseguiu uma audiência para o seu caso.
Ivete Andrade, 45 anos, é o oposto de Camila. Com a desilusão, a ex-aluna de Serviço Social desabafou que não sente mais vontade de ingressar numa universidade. “Cursei um ano e meio até sentir que tinha algo estranho. Fui pedir uma declaração de estágio e eles não me davam, ficavam enrolando. Agora que meu sonho já foi destruído só quero ver a Justiça acontecer”, declarou.
Auxílio jurídico aos estudantes
Os alunos prejudicados pela atuação dessas faculdades irregulares em Pernambuco podem procurar a Defensoria Pública do Estado para receber apoio jurídico. Para solicitar a ajuda, os estudantes devem entrar em contato com a Coordenação da Área de Demandas Coletivas por meio dos números (81) 3182-3712 ou 3182-3736. Caso prefiram, também podem ingressar com ações privadas na Justiça.

Respostas das instituições
Algumas das instituições investigadas pela CPI Se posicionaram através de notas enviadas à Rede Globo Nordeste e ao G1. Confira, a seguir, as respostas:

Funeso - A instituição garante que "sempre se posicionou de forma favorável à CPI, tendo contribuído de forma efetiva para os seus trabalhos". "Sobre o relatório, não temos condições de nos posicionarmos, por não termos sido intimados até o presente momento. Assim que tivermos conhecimento do mesmo emitiremos nota através dos nossos canais oficiais", informou no texto.

Faculdade Faisa - A instituição afirma que é "devidamente credenciada e autorizada pelo MEC para funcionar no ensino superior, bem como os cursos são devidamente credenciados" assim como "não realiza qualquer curso de graduação fora de sua sede, a qual está localizada na cidade de Santo Augusto/RS". Complementou ainda dizendo que "não possui qualquer polo de ensino na modalidade a distância em Pernambuco", além de anunciar a instauração de um "procedimento administrativo para apurar as denúncias que foram alvo da CPI com relação a utilização de seu nome por institutos educacionais com sede no estado de Pernambuco".

Faculdade Anchieta - A instituição afirma que "medidas legais cabíveis já foram adotadas pela Faculdade Anchieta, para fins de comprovação do exercício regular e legal de suas atividades". Na nota, a faculdade ressalta ainda que "vem sendo apontada, de forma injusta e arbitrária, como Instituição de Ensino Irregular, pela CPI" e que as atividades por ela exercidas "sempre foram amparadas por legislação federal de ensino, estando, inclusive, devidamente autorizada pelo MEC".

Uninacional - A entidade informou que "não é uma faculdade, nem um grupo educacional" e que divulgou "em seu site que não autorizava qualquer instituto ou qualquer outra instituição educacional a fazer uso de seu nome". A Uninassau disse ainda que "não emite qualquer documento acadêmico, nem assume terceirização de serviços de instituições isoladas de ensino ou universidades" e garantiu que "já foram tomadas todas as medidas cabíveis para a proteção da instituição".