quinta-feira, 9 de junho de 2016

Inspeção no Complexo do Curado confirma persistência de problemas.


Comitiva da OEA esteve nos presídios nesta quarta-feira (8).
Organizações enfatizam superlotação e violações de direitos humanos.


A continuidade da superlotação do Complexo do Curado, no bairro do Sancho, na Zona Oeste do Recife, foi um dos problemas constatados durante a visita da comitiva da Organização dos Estados Americanos (OEA) durante inspeção realizada nesta quarta-feira (8). Representantes de organizações que denunciaram a situação do presídio apontaram ainda a permanência de violações dos direitos humanos, apontadas anteriormente.
A inspeção foi feita por juízes da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA e representantes das organizações, acompanhados de equipes dos governos estadual e federal. Os juízes da Corte Interamericana de Direitos Humanos deixaram o local sem falar com a imprensa.
"O Complexo do Curado é um dos casos mais emblemáticos do sistema carcerário do país. Além da superpopulação carcerária, são flagrantes o baixo número de agentes penitenciários e de defensores públicos que atendem aos presídios, a existência dos chaveiros. É uma série de violações de direitos humanos sistemáticas que ainda seguem pendentes de enfrentamento”, resumiu Guilherme Pontes, representante da Justiça Global.
Esta é uma das organizações peticionárias que integraram a comitiva e vão elaborar um relatório com o que foi apurado no Complexo. "Houve avanço na questão de saúde, mas há outras questões graves para serem enfrentadas, como os relatos de agressões e torturas e a existência de grande número de armas brancas e de fogo dentro do Complexo. A Corte irá abrir um prazo para apresentarmos o que apuramos e emitirá uma resolução. Ainda não há uma sentença definitiva do que pode ser colocado como sanção", explicou Pontes.
Presente na inspeção, o secretário estadual de Direitos Humanos, Pedro Eurico, afirmou que os juízes puderam perceber as melhorias implantadas pelo governo no Complexo. "Eles estão bastante satisfeitos com os avanços que viram a partir das medidas tomadas pelo Estado desde a visita de 2012. Ainda precisamos reduzir a superpopulação carcerária, que é possível por dois caminhos: fortalecendo as audiências de custódia, o que já está sendo feito, e através da construção de novas unidades, que depende da chegada dos recursos federais", ressaltou.
Sobre a existência de chaveiros nos presídios do Complexo, Pedro Eurico afirmou que se trata de uma ilusão. "Os chaveiros são uma fantasia, uma quimera, uma ilusão de que tem gente mandando no sistema prisional. Existem presos que têm uma liderança isolada, mas todos eles estão sob controle nas unidades prisionais. Em Pernambuco, quem manda é o Governo, é o Judiciário, é o Ministério Público, é o império da lei", garantiu o secretário.
Desativação do Complexo
Presente tanto na reunião quanto na inspeção, o promotor de execução penal e conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Marcelo Ugiette, solicitou aos juízes da Corte que considerassem a desativação do Complexo do Curado. "O Complexo precisa ser desativado e os presos alocados em unidades menores em áreas construídas pela iniciativa privada. O parâmetro para tratar a questão prisional deve ser sempre o da dignidade da pessoa humana, pois a pena é privativa apenas de liberdade. Não conseguiremos ressocializar ou renderia positivamente na sociedade sem esse parâmetro, que não existe dentro do Complexo", destacou.
De acordo com o promotor, as ações pontuais realizadas pelo governo estadual não conseguem resolver o problema da situação atual do sistema prisional em Pernambuco. "O Estado se mostra impotente em resolver a questão principal do aprisionamento: o encarceramento deve abranger não apenas os deveres, mas também os direitos dos presos. A desativação gradual do Complexo tem que ser planejada, e esse planejamento precisa ser iniciado urgentemente", defende o promotor.

Protesto contra desapropriações
Com faixas e cartazes, moradores do entorno do Complexo do Curado protestaram em frente do local enquanto a inspeção era realizada. Os participantes queriam atrair a atenção para a possibilidade de o Governo de Pernambuco realizar a desapropriação de residências da área como parte de um plano de ordenamento urbano para melhorar as condições de segurança na unidade e em seus arredores.

 “Não tem necessidade tirar nossas casas daqui para priorizar o presídio. Não queremos sair de onde sempre vivemos”, o agente de saúde comunitária Márcia Costa Ramos, de 47 anos. Ela mora em uma das casas no entorno do Complexo junto com o marido de 58 anos, o agente administrativo José Severino Ramos. “No dia 29 de maio, uma bomba explodiu dentro do presídio e causaram prejuízos em várias casas da comunidade. Na nossa residência, o estrondo quebrou portas e danificou o encanamento”, disse o morador.

De acordo com o secretário Pedro Eurico, a ideia de retirar os moradores dos arredores do Complexo está suspensa. “Essa questão já foi objeto de uma negociação entre o Governo do Estado, através da Casa Civil, e a comunidade. A demolição das casas e a desapropriação foram suspensas. O que vamos levar adiante é a construção de muralhas de concreto nos presídios”, afirmou.

Entenda o caso
Desde 2011, um grupo liderado pela Pastoral Carcerária do Estado vem denunciando uma série de irregularidades na unidade, que envolvem danos à integridade física dos presos, problemas de saúde por falta de cuidados médicos e falta de segurança para os agentes, entre outras.


Denúncias
Em 2011, a situação de risco à vida e à integridade dos detentos do Complexo do Curado foi denunciada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH) pela Pastoral Carcerária de Pernambuco, Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões, Pastoral Carcerária Nacional, Justiça Global e Clínica Internacional de Direitos Humanos da Universidade de Harvard.
A comissão, naquele mesmo ano, determinou que o Estado Brasileiro adotasse medidas para a proteger a vida, a integridade e saúde dos presos, bem como para aumentar o número de agentes de segurança no presídio e eliminar a figura do “chaveiro”. As determinações incluíram também a garantia de atenção médica adequada aos internos, medidas para evitar a transmissão de doenças contagiosas e para a diminuição da superlotação na unidade prisional.
Como as ações adotadas pelo governo de pernambuco para reverter a situação não foram consideradas satisfatórias e houve agravamento de algumas das situações de violência e maus tratos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA também decretou, em maio de 2014, medidas provisórias a serem adotadas pelo Brasil.
Foi determinada a elaboração e implementação de plano de emergência em relação à atenção médica, redução da superlotação no Complexo do Curado, eliminação da presença de armas dentro da unidade e a garantia de condições de segurança e de respeito à vida e à integridade de internos, funcionários e visitantes, bem como a eliminação da prática de revistas humilhantes dos visitantes. Caso não cumpra as determinações, o país poderá sofrer sanções que incluem multa de valor não determinado.
O sistema prisional pernambucano vem enfrentando uma grave crise há alguns anos. O problema foi exposto de forma mais enfática após duas fugas em massa ocorridas em janeiro no Curado e na Penitenciária Barreto Campelo, em Itamaracá, no Grande Recife. Além das fugas, o estado enfrenta o tema da superpopulação carcerária e o atraso na entrega de novas unidades como a de Itaquitinga, que pretende aliviar o problema.
O governo anunciou algumas medidas, como a seleção para 200 vagas para agentes e o reforço na estrutura do Complexo do Curado. No entanto, enfrenta a resistência de moradores, que afirmam que não deixarão o local mesmo com o decreto que autoriza a desapropriação de 55 imóveis nos arredores da unidade.